Polícia Civil faz hoje nova reconstituição da morte do menino, de nove anos, autista e que morreu por ingestão de veneno para rato. Pai e mãe são os suspeitos. Ao O POVO, Cristiane Renata dá sua versão para a tragédia familiar.
Cristiane Renata Coelho, 41, estará hoje na nova reconstituição que a Polícia pretende realizar para esclarecer a morte do seu filho Lewdo, 9. Ela é uma das indiciadas pelo crime. O outro suspeito é o pai da criança, o subtenente do Exército Francilewdo Bezerra Severino, 45. Ontem, ela disse ao O POVO que foi agredida a tapa e a cinto por Francilewdo pouco antes da morte do filho. Cristiane acredita que o marido passou a ser agressivo com os filhos ao saber que ela mantinha relação extraconjugal
O POVO – O que aconteceu naquele dia, até o momento em que seu filho morreu?
Cristiane Renata Coelho – Eu não vou retirar uma palavra do que venho dizendo. Chegamos em casa às 17h30min. Os meninos sempre ficavam brincando, meu filho mais velho, o Lewdinho, e o Lucas. Lewdinho tomava remédio controlado. Já tinha administrado o remédio dele, ele ia direto pro quarto, dormia cedo.
Leia a íntegra da entrevista com Cristiane Renata
OP – O remédio era pra quê?
Cristiane – Pra controlar a hiperatividade, porque ele era autista, pra ter sono tranquilo.
OP – E depois que as crianças foram para o quarto, naquele dia, o que mais aconteceu?
Cristiane – Foi quando o Francilewdo me perguntou se tinha alguma coisa pra comprar. Eu disse que sim, o leite das crianças e o lanche. Quando ele voltou, o Lucas já estava dormindo, eu tava no quarto conversando com minha irmã pelo Whatsapp. No que fui pegar o lanche das crianças, caiu uma garrafa de vinho no chão. Perguntei para que o vinho. Era uma segunda-feira. Ele disse “é uma surpresa”. Eu disse “não posso beber”, porque tomo remédio pra dormir. Ele disse “só são duas taças”, e concordei. Não sabia o que ele tinha comprado. A gente sentou no sofá, começou a assistir televisão e conversar. Foi quando falei sobre o divórcio. Em dezembro eu pretendia ir embora.
OP – Vocês já haviam falado sobre divórcio antes?
Cristiane – Já, mas ele se nega. Em julho (de 2014) foi a primeira vez. Eu tirei as alianças, usava duas, coloquei em cima da cama e disse que não estava dando mais certo. Que a gente já vinha se afastando. Ele me pediu pra ficar, por conta das crianças, que iria melhorar. A indiferença dele, em relação a mim, nem conto, mas, em relação aos filhos, especialmente ao mais velho, tava muito grande. Então eu disse a ele que a minha separação seria por conta disso. Por nenhum outro motivo, pela forma como ele vinha tratando as crianças.
OP – Conversaram naquele dia?
Cristiane – No dia da morte.
OP – De julho pra cá, chegou a ter briga física?
Cristiane – Não, nunca houve.
OP – E agressão com as crianças?
Cristiane – Sim, verbais. Não vou dizer que era espancamento, mas agressões físicas sim. Especialmente com o Lewdinho, que já vinha com medo dele. Eu conversava com ele. “Você não tá notando que as crianças estão se afastando de você por causa do seu tratamento com eles?”. Começou com o Lewdinho, mas passou para o Lucas.
OP – Só moravam vocês quatro?
Cristiane – Só nós quatro. Morávamos a dois quarteirões da casa dos pais dele, no Dias Macêdo. O Lucas ainda estava usando fralda. Um dia não coloquei fralda nele, no que ele fez xixi na cadeirinha do carro, Francilewdo jogou a cadeira na calçada, se dividiu em duas. Já saí empurrando o Lucas pra dentro pra ele não apanhar. Isso estava acontecendo direto.
OP – Ele chegou a mencionar querer matar?
Cristiane – A querer matar, não. Mas em conversas de Whatsapp, que ele mandou pra mim, tem gravado. Eu também tava mandando para o meu cunhado, já com medo, ele dizendo que se eu me separasse iria fazer besteira.
OP – Isso começou quando?
Cristiane – De setembro pra outubro. Ele começou a me mandar umas mensagens esquisitas. E comecei a temer o jeito que ele tava ficando.
OP – No dia da morte, depois que você falou do divórcio, o que aconteceu em seguida?
Cristiane – Estávamos na segunda taça de vinho, ele foi pegar a terceira. Eu disse que não queria mais beber. Ele disse “você vai tomar, sim”. Eu disse “não vou porque amanhã tenho que acordar cedo, você também”. Foi quando ele foi pegar os meus comprimidos. O Rivotril, que é o Clonazepam. Também tomava o Velaxin. Para depressão. Tomava há três meses.
OP – Francilewdo insistiu para que tomasse vinho. E depois?
Cristiane – Ele machucou o remédio com a máquina que a gente tinha, porque nossa criança tomava também remédio. Machucou, botou dentro do vinho e disse que eu ia tomar. Eu disse não. Se eu tomasse aquilo iria dormir bastante ou então iria morrer. Não tenho ideia de quantos comprimidos ele botou, falei de cinco a seis, mas naquele dia estava muito transtornada. E disse a ele que não iria tomar. Foi quando ele me pegou pelos dois braços e disse “você vai tomar, sim. Vai tomar pra não ver a merda que eu vou fazer”. Como eu vi que o negócio tava sério, tomei. Aí ele foi no quarto, fiquei assustada. Quando ele voltou, me deu um tapa no rosto, eu caí sentada. No que caí, ele foi buscar o cinto no quarto, fiquei ainda no chão, meio atordoada, já por conta da bebida e do tapa. Ele pegou o cinto e eu só fiz defender o rosto. Só defendia o meu rosto. Pegou o cinto e começou a me bater com a fivela. Me batia e eu só me defendia. Pegou nos braços e nas minhas coxas. Tanto é que falaram que isso aí foi posição de defesa. Não vou falar quem foi que falou porque não vem ao caso. Depois saiu como se eu tivesse me autoflagelado.
OP – Você desmaiou?
Cristiane – Depois ele disse “vá pro quarto pra não ver a merda que vou fazer”. Fui pro quarto, lembro que dei uma olhada, já tava meio tonta. Olhei no espelho, vi as marcas nas minhas pernas, vi que o Lucas tava na minha cama dormindo. Deitei do lado dele e apaguei.
OP – O Lewdo estava onde?
Cristiane – Tava no quartinho dele. Apaguei geral. Não sei quanto tempo fiquei dormindo. Sei que acordei e lembrei do que ele falou. A primeira coisa que fiz foi olhar pro lado e vi que Lucas estava bem. Tava respirando, quentinho. Quando fui pra sala me deparei com Francilewdo embaixo da rede agonizando, espumando, mas corri pro quarto do meu filho. Ele tava com um pouquinho de espuma e já gelado. Sentei junto dele, peguei ele e segurei pelo corpo. Ele ainda abriu os olhos pra mim e foi quando eu disse a ele “filho, espere um pouquinho que mamãe vai te salvar. Espera só mais um pouco”.
OP – Ele tava acordado?
Cristiane – Ele abriu o olho, aí fechou. Mas já gelado. Eu disse que ia salvar ele. Chamei o Francilewdo, vi que ele não respondia, minha primeira reação foi pegar o celular. Liguei 190 e achei que tava ligando para o Samu. Desesperada, nem sabia o que estava falando, pedia pelo amor de Deus para que mandassem uma ambulância, que meu marido e meu filho tavam agonizando.
OP – Que horas foi isso?
Cristiane – Não sei, era de madrugada. Daquele dia não sei de horário nenhum. Saí gritando na rua pedindo socorro. Toquei a campainha dos vizinhos, ninguém aparecia. Quando o Samu chegou, saí correndo. Eles pegaram o Francilewdo, já foram fazendo os primeiros socorros. Quando olharam pro meu filho, eu disse “ele tá vivo, não tá?”. Não tava. O que prometi pra ele não deu tempo.
OP – Foi descoberto pela perícia que você ingeriu o quê?
Cristiane – O remédio junto com o álcool. Meu filho ingeriu chumbinho. O Francilewdo também. Foi constatado na perícia. Fui pra Recife enterrar meu filho. Depois de dois dias que tava pensando em retornar, pra saber do estado de saúde dele, pra acompanhar, aí já tinha tudo se revertido contra mim. Jornal, blogs, já tava recebendo um linchamento cibernético.
OP - Quem alterou o Facebook?
Cristiane - Não sei. Já falei que esse celular não ficou só na minha mão. O celular era dele, só que estava aberto o Facebook dele. Aí levei o celular pra Recife. Em Recife, assumo que eu que fechei a conta do Facebook dele. A Polícia não me pediu nada, então levei o celular dele. Quando o delegado pediu, eu entreguei.
OP - Você acha que o Francilewdo agredia as crianças por causa de sua relação extraconjugal?
Cristiane - Pode ser que sim. Ele não era agressivo com as crianças antes.
OP - O seu relacionamento extraconjugal já tinha quanto tempo?
Cristiane - Começou em junho. Em julho foi quando eu pedi o divórcio.
Cristiane Renata foi para Recife após a morte do filho