Muitos governantes alegam que os efeitos de suas políticas demoram muito mais que quatro anos para serem sentidos - e usam tal argumento no discurso eleitoral ao pedir que a população os reeleja. Contudo, o governo de Dilma Rousseff terá dificuldades em provar tal retórica. São muitos os exemplos de políticas que já deram errado. Mas uma, em especial, impacta os indicadores econômicos de forma perigosa. As medidas de conteúdo nacional aplicadas ao setor automotivo foram a primeira sinalização do Palácio do Planalto, ainda em 2011, em direção ao protecionismo. Hoje, mesmo com todas as benesses concedidas pelo governo, o setor agoniza e é o principal responsável pela queda da produção industrial e dos empregos na indústria. Em maio, a produção recuou 3,2% em relação a 2013. No setor de veículos em específico, a queda foi de 20%. No emprego, a queda é de 3,5% em relação ao ano passado. Numa nova manobra de socorro, o governo anunciou na segunda-feira a manutenção do desconto no imposto sobre produtos industrializados (IPI), que deixaria de valer em julho. Mas não há esperanças de que a situação seja revertida ainda este ano, o que é grave, já que o setor representa cerca de 20% do PIB industrial do país.
As medidas de estímulo ao setor foram emblemáticas pelo fator surpresa. O mercado não esperava que, com uma canetada, o governo pudesse aumentar em 30 pontos porcentuais o imposto sobre produtos industrializados de veículos importados, encarecendo não apenas carros de luxo, mas, sobretudo, montadoras asiáticas que ainda não haviam se instalado no país. Em seguida, houve o rompimento do acordo automotivo com o México, em que o Brasil passou a estabelecer cotas de importação entre os dois países, e não mais o livre-comércio de peças e veículos. As duas decisões, aliadas a medidas de proteção cambial autorizadas pelo Ministério da Fazenda, automaticamente fizeram com que o protecionismo se instalasse como uma política de governo, expandindo-se para outros setores.
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Ao longo de 2012, o governo reuniu as medidas de estímulo ao setor em um único pacote, o Inovar Auto, usando como argumento a criação de uma forte cadeia produtiva na indústria automotiva, capaz de criar inovação e avanços tecnológicos. O imposto seria reduzido gradualmente para as estrangeiras que concordaram em trazer fábricas ao Brasil. Segundo determinação da Fazenda e do Ministério do Desenvolvimento, quanto mais conteúdo nacional fosse usado, mais o IPI recuaria. Os empresários que anunciaram fábricas, agora, se encontram imersos num mar de incertezas, fazendo investimentos pesados num setor em crise.
O Inovar Auto, que completa dois anos de implementação, nem mesmo foi completamente regulamentado. Para ter direito aos descontos promovidos pelo programa, as montadoras precisam cumprir metas de eficiência, mas, até o momento, algumas delas não foram definidas. Falta, por exemplo, regulamentar de que forma serão enquadrados os créditos do IPI pelo desenvolvimento de projetos de engenharia e o modelo de medição de eficiência energética, que também vai garantir um imposto menor.
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Proteção tira produtividade do setor automotivo
A intenção do governo, além de proteger a indústria nacional, era torná-la mais competitiva - por mais paradoxal que tal constatação possa parecer. Obviamente, deu errado. O Brasil é o 7º maior produtor mundial de automóveis, mas é o 21º em exportações. Apenas cerca de 15% dos veículos fabricados no país são exportados. O Inovar Auto, por forçar a vinda de indústria estrangeira, que termina exposta ao Custo Brasil, não ajuda o país a ter preços compatíveis com as cadeias globais de valor. Portanto, não melhorou a produtividade. O México, que optou por desenvolver uma indústria de classe mundial, extremamente conectada às redes globais, tem plantas que produzem o dobro das brasileiras.
Aumento da inadimplência, encarecimento do crédito e fragilidade do emprego potencializam ainda mais o quadro de retração do setor. Para piorar, a crise da Argentina, que é o maior comprador de carros do Brasil, consumindo 12% da produção nacional, impactou as exportações, que recuaram 30% no semestre. A única notícia boa para a indústria, diante de tal cenário, é a manutenção do dólar num patamar acima de 2,20 reais - que está longe de ser animadora o bastante para garantir qualquer expansão.